O Rali da Acrópole marcou o evento número 500 da história do Mundial de Ralis. Altura ideal para Martin Holmes analisar o passado, o presente e sobretudo o futuro do Campeonato do Mundo. Será que Jean Todt e companhia sabem o que estão a fazer?
A última prova na Grécia marcou uma efeméride centenária no WRC: oficialmente, são 500 ralis de História. Mas será que foi uma ocasião de celebração e entusiasmo? Será que foi a oportunidade para elogiar 38 anos de trabalho árduo de um número incalculável de pessoas que ajudaram a colocar de pé todas estas provas? Bem... nem por isso. O Rali da Acrópole até foi emocionante mas toda a confusão instalada no atual campeonato ficou patente. Na realidade, a prova grega ficou a uma pequena brisa de vento de distância de se tornar uma catástrofe organizacional, um desastre (mais um) originado por quem dirige o desporto. O interminável desejo dos promotores do WRC de tornarem os ralis algo que não são, aliado à incapacidade da FIA de aprender com os erros cometidos ao longo destes 38 anos continuam a ameaçar a modalidade.
O Mundial de Ralis continua a ser arrastado para caminhos contraditórios quando as evidências mostram que o campeonato evoluiu por si próprio até ao formato atual e não necessita de mais interferências artificiais. Mas a atual direção da FIA quer que o WRC volte à estaca zero, com uma 'folha em branco', esquecendo tudo o que aconteceu nos últimos 38 anos e, principalmente, nos últimos 20... A FIA quer recuperar ideias há muito abandonadas como as classificativas em piso misto, especiais disputadas à noite e ralis de longa distância, além de excluir países que não estivessem no Mundial nos seus primórdios. Mas por que motivo se devem considerar os últimos vinte ou trinta anos um erro? Na verdade, muitas das mudanças ao longo dos anos foram excelentes e oportunas. O problema tem sido a falta de planificação a longo prazo.
O passado é melhor que o presente?
Jean Todt reentrou na cena dos ralis e notou que estes estão muito diferentes do que acontecia nos tempos em que era um jovem participante. O francês ainda não percebeu, contudo, que não foram apenas os ralis que mudaram: o mundo também evoluiu. Todt quer que os ralis voltem atrás no tempo, porventura um desejo impraticável e até pouco sensato. O primeiro aviso surgiu quando os organizadores do Rali da Argentina foram obrigados a realizarem algumas especiais em piso misto (terra e asfalto), seguindo-se um catálogo de falhas e mal-entendidos que levou a organização a ser multada e o piloto 'errado' a ganhar o rali (o famoso caso da rotunda que ajudou à vitória de Loeb). Foi um milagre não terem acontecido problemas de segurança pois aquelas especiais mistas não tinham quaisquer condições para o serem!
O próximo teste ordenado pela FIA aconteceu na Grécia, quando pela primeira vez em 25 anos foi disputada uma classificativa noturna em piso seco ... e toda a gente susteve a respiração. É muito comum na Grécia o vento parar ou diminuir de intensidade durante a noite, o que tornaria a especial muito injusta e perigosa devido ao pó que prejudicaria gravemente os concorrentes a partir mais atrás. Os deuses do Olimpo estavam com o rali pois naquela noite levantou-se uma ligeira brisa que evitou um desastre... E agora as equipas estão a tentar perceber como gerir o formato experimental de "longa distância" do próximo Rali da Grã-Bretanha.
O Mundial de Ralis e os inúmeros voluntários que o colocam de pé mereciam mais do que esta situação de loucos, uma época (2011) que é uma espécie de laboratório para as ideias (desnecessárias) da FIA. Mudar só por mudar é uma cultura que trouxe resultados catastróficos no passado. Algumas mudanças nas últimas décadas revelaram-se, de facto, erradas, mas muitas delas foram necessárias para que os ralis se ajustassem às circunstâncias do mundo. Não há nada de errado com o nosso campeonato atual a não ser a escassez de construtores. O terreno é sólido. Se o 'antigamente' era tão maravilhoso porque é que passou à História? Quando o sucesso de um evento depende de uma brisa de vento, algo está mal no WRC... ou em quem o dirige.
A crise de identidade do WRC
A palavra mundo foi acrescentada à nomenclatura do campeonato em 1973, mas as coisas complicaram-se em 1979 quando o Mundial de Pilotos foi adicionado à tradicional competição de marcas. Nas primeiras épocas, apenas o construtor era um concorrente do Mundial, não o piloto. A evolução do WRC diz-nos que, hoje em dia, os documentos de resultados oficiais de uma prova nem sequer mencionam a marca do carro!
Mas houve algo pior. Entre 1980 e 1992, alguns ralis contaram apenas para o campeonato de pilotos pois a importância/estatuto relativo de algumas provas era menor do que a de outras. Para atender ao interesse crescente de outros países em receberem o WRC, foi instituído um sistema de rotatividade entre 1994 e 1996, período durante o qual 14 eventos contaram para um campeonato FIA de 2 Litros. Ficava claro para toda a gente - exceto para os responsáveis do desporto... - que o Mundial de Ralis caminhava para a confusão.
A contabilização de 500 ralis inclui os 14 eventos do campeonato de 2 Litros, além do Rali de Sanremo de 1986 cujos pontos seriam mais tarde removidos pela FIA (a Peugeot foi desqualificada do evento por usar apêndices aerodinâmicos que tinham sido permitidos em ralis anteriores - posteriormente, a FIA revogou a decisão dos organizadores de Sanremo e anulou as pontuações da prova).
Martin Holmes